Hoje o aprendizado será compartilhado a partir de
um treinamento que obtive sobre Práticas Restaurativas em um Centro de
Mediação, chamado The Mediation Center em Lincoln-NE.
Já falei aqui que uma das coisas que aprendemos ao
morar fora do nosso país de origem é que se você não for atrás de se virar, a
oportunidade não vai cair do céu no nosso colo. Então desde que cheguei tenho
feito contatos com advogados e mediadores americanos que foram me ensinando
como o sistema funciona e me convidando para fazer workshops na área em que eu
demonstrei interesse. Esse treinamento foi na cidade vizinha a qual estou
morando e então tive que dirigir 90 km em mais ou menos uma hora de boa
estrada, com suas highways e speed limits, para participar desse treinamento,
justamente pela sede de aprendizado. Ao chegar no Centro, conheci o diretor
executivo, o qual já estava em contato por email, tão logo ele me apresentou
aos demais mediadores e me mostrou o preparado e organizado ambiente físico.
Imaginem, coisa de primeiro mundo mesmo.
Primeiramente, houve uma explanação do que vem a
ser justiça restaurativa e a definição se deu no seguinte contexto: uma
abordagem de justiça criminal com foco voltado para o prejuízo realizado ao
invés do descumprimento da lei em si, onde as preocupações legais são
importantes, mas que devemos ficar atentos, pois a relação indivíduo-emocional
geralmente pode ser minimizada em um sistema que somente endereça seu olhar a
punição da violação contra a lei e o Estado. Assim, o assunto traz a ideia de
que a violação contra a vítima e a comunidade deve estar no centro da
abordagem, onde ao responsável pelo crime é requerido que entenda o impacto de
suas ações e tomem para si a responsabilidade de reparar o prejuízo realizado
de forma efetiva.
Nesse aspecto, foi demonstrado que a possibilidade
da comunicação é oportunizada inclusive aos casos de ofensa criminal e o
diálogo é a chave característica para se manter a prática. Ao contrário dos
processos nas Cortes de Justiça, que tendem a restringir o fluxo de informação
e comunicação, no modelo restaurativo, se tende a incentivar conversas entre as
partes interessadas, dando-lhes o papel primário de discussão e tomada de
decisão para resolver problemas com a participação de um terceiro não
interessado, facilitador/mediador.
Coube ressaltar que a prática desse novo jeito de
se fazer justiça se dá para os crimes menores, nos quais o ofensor tem alguma
chance de reparar o dano causado. Nesse Centro de Mediação, a maior parte das
conferências são os casos de justiça juvenil restaurativa.
Nesse método, procura-se entender a experiência da
vítima, a quem mesmo nos crimes menores podem sofrer os maiores impactos, e a
partir daí entender suas necessidades. E ninguém melhor do que ela mesma para
individualizar seu caso e dizer especificamente quais as suas necessidades, por
isso que o melhor a se fazer é escutá-la.
Do outro lado, mas na mesma perspectiva, foi
abordado que igualmente procura-se escutar o ofensor, pois da mesma maneira que
a vítima é impactada pela situação inesperada, aquele que ofende também
vivencia sobressaltos, não se sentindo empoderado para mudar suas atitudes e,
ao entender suas necessidades, pode vir a restaurá-lo.
Foi apresentado a existência de alguns sistemas que
são conhecidos por serem mais duros no crime, em que a prestação de contas é
alta e o suporte é baixo; e de outros sistemas leves para o crime, onde a
prestação de contas é baixa e o suporte é alto. Comparativamente, ficou demonstrado
que o fundamento da justiça restaurativa é a credibilidade em um sistema nem
duro, nem leve, mas sim inteligente em que a prestação de contas é alta e o
suporte também é alto.
O sistema da justiça restaurativa nos EUA tem como
principal objetivo ajudar as partes a seguirem adiante na vida, tendo (ou não)
que encarar face a face um diálogo entre si, dependendo de suas livres e
espontâneas vontades. Toda a discussão é encoberta em três aspectos: a) What
happened? Ciência do que aconteceu, obtenção das informações. b) Who was
affected? Saber quem foi afetado, ter consciência dos impactos. c) What
repairs can be made? O que pode ser feito a partir de agora e focar na
resolução.
No The Mediation Center, os casos são selecionados
pelo Nebraska Office of Dispute Resolution (Escritório de Resolução de Disputa
da Corte do Estado de Nebraska) e enviados ao Centro para tentativa de
resolução pelas próprias partes envolvidas.
Em resumo, a chamada Victim Offender Conference
(Conferência da Vítima e do Ofensor) segue os seguintes passos: no contexto
inicial, o ofensor é pego e multado, a depender do caso, este é arquivado,
segue para investigação ou é enviado para a Conferência. Então cartas são
enviadas primeiro para o ofensor, depois para a vítima; o caso é atribuído a um
facilitador capacitado do Centro de Mediação. Separadamente, há um encontro
preparatório com aquele que ofendeu, posteriormente um encontro inicial com o
ofendido. Em havendo aceitação por ambas as partes, a Conferência é
agendada.
Na fase da Conferência, os facilitadores preparam o
local da reunião, a conferência é realizada respeitando as etapas devidas da
sessão e as técnicas desenvolvidas em treinamentos. Na fase final de
acompanhamento, o caso é arquivado com os dados da concordância; o plano de
acordo é acompanhado; as partes são notificadas da conclusão; e os dados do
fechamento do caso são relatados à fonte de referência, ou seja, quem
precipuamente enviou o caso, o Office of Dispute Resolution.
Mas e então, qual o entendimento que devemos ter
enquanto sociedade e o que podemos fazer enquanto gestores de conflitos?
Em geral, o olhar da sociedade para o esse tipo de
conflito se baseia na forma que o sistema governamental o supervisiona. O novo
olhar trazido pela justiça restaurativa tem permitido que muitos membros da
comunidade redescubram maneiras de fiscalizar áreas como segurança pública,
resolução de conflito e justiça criminal.
Em reconhecendo a necessidade da mudança de
mentalidade da comunidade, tanto o senso de justiça quanto a forma de resolução
de conflitos podem ser impactados pela população e ajudar seus próprios
cidadãos. Nesse aspecto, a comunidade precisa investir mais pesquisa e mais
tempo para ser parte desse novo jeito de solucionar conflitos, onde a prevenção
pode ser parte de uma intervenção
estratégica.
Claro que a sociedade é limitada pelo Estado em
certos aspectos, mas como ponto forte tem a seu favor o poder de escolha e pode
escolher resolver seus conflitos com o aparato do Estado e muitas vezes sair da
zona de conforto e se empoderar para ser um incentivador, um facilitador ou
para contar sua história, sua verdade, suas necessidades e ver o conflito se
dissipar de forma verdadeira, obtendo o real significado de justiça... para
cada um!
E como alguém que pega um carro em um país estrangeiro, vai para uma
cidade vizinha para aprender e
compartilhar os aprendizados. Aprenda, compartilhe e impacte positivamente a
vida de alguém, nem que esse alguém aparentemente tenha posições diversas da
sua, afinal ele também tem um mundo inteiro dentro de si.